segunda-feira, 18 de outubro de 2010

REFORMA TRIBUTÁRIA - CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS - por Dr. Cristóvam do Espírito Santo Filho*

* Especialista em Direito Tributário pela PUC/GO e Advogado do Grupo Mabel e Caramuru Alimentos. Advogado Tributarista e Previdenciarista do Marcos César Barbosa - ASSESSORIA JURÍDICA.

INTRODUÇÃO

O tema em pauta tem sido bastante debatido nos últimos anos, especialmente após a iniciativa do Executivo em reformular completamente o Sistema Previdenciário brasileiro.

Considerando, ainda, a chamada "Reforma Tributária", também em discussão no parlamento, mudanças profundas podem ser vislumbradas, devendo-se questionar se o "Novo Modelo Previdenciário", com amplos reflexos na forma contributiva, será adequado aos interesses aéticos do time de economistas que hoje consolida a orientação do governo reeleito, ou se, na verdade, será um grande sistema de exclusão social, apesar do aumento na arrecadação previsto para o ano vindouro.

O presente estudo, apesar da amplitude do debate, está restrito à discussão sobre a natureza jurídica das contribuições sociais, como será visto adiante. Apesar disso, considerando a ampla maioria da doutrina e jurisprudência que sustentam a natureza tributária de tais contribuições, tal "essência", traduzida na forma de "tributos", influencia a forma como o contribuinte-cidadão se relaciona com o Estado arrecadador, especialmente em um país no qual, apesar da onerosa carga tributária, em decorrência de nossas mazelas institucionais, o homem do povo em muito pouco sente o retorno, em melhores serviços públicos, de sua obrigação enquanto sujeito passivo. Logo, como um "verdadeiro contribuinte", resistirá às cobranças, incluindo aquelas destinadas ao Seguro Social.


NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

O tema tem sido debatido ao longo da doutrina, especialmente nos últimos quarenta anos. As teorias sobre a matéria podem ser divididas em seis vertentes: Teoria do Prêmio de Seguro; Teoria do Salário Diferido; Teoria do Salário Social; Teoria do Salário Atual; Teoria Fiscal; Teoria Parafiscal e Teoria da exação sui generis.

A Teoria do Prêmio de Seguro defende a tese segundo a qual a natureza jurídica da contribuição à seguridade social se equipara ao prêmio de seguro pago pelo beneficiário às companhias seguradoras. Poderia, ainda, ser chamado de prêmio de seguro de direito público, dada a obrigatoriedade da contribuição social destinada ao benefício dos próprios segurados, sustentando o chamado Sistema de Seguridade Social.

A crítica que poderia ser tecida a tal tese sustenta-se no equívoco de se considerar que o "prêmio de seguro" tem a mesma natureza da previdência social. A previdência social, ao contrário do privatista "prêmio de seguro", tem finalidade muito mais ampla, ou seja, visa assegurar amparo a pessoas que se encontrem em situação de necessidade, muitas vezes independente de serem contribuintes ou não (exemplo: assistência social). Ao contrário, nos contratos de seguro o beneficiário só recebe o amparo se for contribuinte, ou seja, necessariamente exige-se o pagamento das contribuições. A seguridade social objetiva reduzir as desigualdades sociais, através de um eficiente sistema de distribuição de renda, ao contrário do empreendimento privado.

Bem observa o insigne Sérgio Pinto Martins:
"Não se pode falar, também, em seguro, na modalidade de cobertura de risco, de cunho privado, firmado entre particulares. Ao contrário, a contribuição à seguridade social pertence ao Direito Público, pois é compulsória, independendo da vontade dos particulares, mas determinada por força de lei. O sujeito ativo que recebe a contribuição é o Estado e o passivo é o particular, quando no seguro privado as duas partes são particulares."
(In "Direito da Seguridade Social", Sérgio Pinto Martins, 9ª ed., Atlas, 1998, pp. 82/83.)

A Teoria do Salário Diferido assevera que parte do salário do empregado não é paga diretamente ao obreiro, mas é destinada à seguridade social, visando a formação de um "fundo" que no futuro irá prover a subsistência do operário, quando, dada a incidência de um "risco social" (aposentadoria, invalidez, morte etc), este não possuir condições de obter meios próprios para seu sustento. Logo, a contribuição social seria uma espécie de "salário diferido", não destinado diretamente ao trabalhador, pois o destino é uma espécie de poupança, dependendo de certas condições.

Os defensores de tal assertiva poderiam ser criticados, pois insistem, à semelhança da Teoria do Prêmio de Seguro, em dar um caráter privado a uma relação (trabalhador-Estado) de natureza publicista, de acordo com a previsão legal. Não se trata de acordo de vontades, mas de norma cogente. Deve-se considerar ainda que o benefício pago não tem natureza salarial, pois não decorre de relação de trabalho, sendo responsabilidade de uma instituição pública (INSS - Instituto Nacional do Seguro Social).

Para outros, as contribuições sociais corresponderiam a um "salário social" (Teoria do Salário Social), ou "salário socializado". A afirmação é semelhante à Teoria do Salário Diferido e falha ao insistir na natureza "salarial" da contribuição para a previdência social. A mesma crítica pode ser dirigida à Teoria do Salário Atual, que ainda erra ao se referir à contribuição como sendo atual, pois esta não pode ser exigida de imediato, apenas quando atendidas condições previamente estabelecidas em Lei.

Consolidada teoria é a Teoria Fiscal, que sustenta ser a contribuição social uma obrigação tributária, ou seja, uma prestação pecuniária compulsória paga ao Estado (lato sensu), com a finalidade de constituição de fundo econômico destinado ao fomento do Sistema de Seguridade Social. Logo, a aludida contribuição é um tributo.
A aludida tese, apesar de certa consolidação, é criticada pois, segundo alguns, não se pode enquadrar a contribuição em nenhuma das espécies tributárias (impostos, taxas ou contribuição de melhoria). Mais adiante, será demonstrada a improcedência de tal crítica.

A Teoria Parafiscal, na verdade, é um complemento à Teoria Fiscal, pois, sustenta-se a mesma natureza tributária da contribuição social, mas com a característica de estar destinada a um fim em específico, ao contrário de um imposto, consistente no futuro benefício previdenciário.

A chamada Teoria da Exação sui generis, sustentada pelos doutrinadores que se especializaram no Direito Previdenciário, afirma que a contribuição social é uma imposição estatal atípica, cogente, prevista no texto constitucional e na legislação ordinária. Por não ser tributo, seria uma exação sui generis, uma exigência com previsão em lei.

Pela breve exposição, constata-se a variedade de teorias sobre o tema. Não se tendo a pretensão de esgotar o debate em torno de tantas posições, a partir de certos parâmetros, constata-se que as chamadas contribuições sociais tem natureza eminentemente tributária.

Inicialmente, deve ser destacada a intrínseca relação entre tal instituto e o Direito Tributário, a exemplo da questão do lançamento previdenciário, que vai ao Código Tributário Nacional (CTN) buscar normas subsidiárias (art. 142). Da mesma forma, os arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212, que abordam decadência e prescrição em sede de crédito previdenciário, repetem o disposto nos artigos 173 e 174 do CTN (crédito tributário). Os arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212 se restringiram a apenas modificar os prazos de prescrição e decadência, que passaram a ser de 10 anos. Ainda, às contribuições sociais são aplicados outros institutos tributários como o de fato gerador (art. 144 do CTN), obrigação (art. 113, CTN), sujeito ativo (art. 119 do CTN), sujeito passivo (art. 121 do CTN), incidência, base de cálculo, contribuintes etc.

O advento da Constituição de 1988 concretizou a natureza tributária das contribuições sociais ao estabelecer, com base em seu art. 149, que estas só poderiam ser exigidas por meio de lei complementar, respeitando-se os princípios da irretroatividade da lei e da anterioridade (art. 150, inciso III, alíneas "a" e "b"). Ainda, o aludido artigo 149 exige a observância ao inciso III do art. 146 da Carta Magna (exigência de observância a Lei Complementar para fixação do fato gerador, base de cálculo e contribuinte). Trata-se, portanto, da estrita observância a institutos de natureza também tributária.

Vittorio Cassone, referindo-se a uma exposição do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Moreira Alves, lembrou:
"O Ministro Moreira Alves, do STF, em sua conferência inaugural do 15º Simpósio Nacional de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra Martins e relatoria de Vittorio Cassone e Fátima Fernandes de Souza Garcia, disse que: ´ Quando a Constituição de 88 diz, no art. 148, que a União-Estados-Distrito Federal-Municípios podem instituir os seguintes tributos (Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria), não implica afirmação nenhuma que não haja outras espécies tributárias, por que é certo que nem Empréstimos Compulsórios nem Contribuições Sociais podem ser instituídos por todas essas entidades que integram a federação, sendo os Empréstimos Compulsórios e as Contribuições Sociais figuras autônomas. Consequentemente, temos 5 espécies de TRIBUTOS: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Tal como o Min. Moreira Alves e como nós, Ives Gandra Martins de há muito vem defendendo a divisão qüinqüipartida dos tributos."
(In "Direito Tributário", Vittorio Cassone, 9ª ed., Atlas, 1996, pp. 60/61.)

O Sistema Tributário Nacional rompeu com a concepção tripartida na classificação dos tributos. A necessidade de um Sistema de Seguridade Social fortalecido obrigou o legislador constituinte a criar esta nova modalidade tributária.
A velha classificação para apenas três espécies tributárias cedeu, pois tem caráter meramente pragmático, não científico. Neste sentido, doutrina o ilustre jurisconsulto Hamilton Dias de Souza:
"6. Assim postos os conceitos acima enunciados, referido às contribuições em geral (inclusive as parafiscais), e tendo em conta a afirmação de que a classificação dos tributos é feita apenas por razões pragmáticas, em função do interesse do sistema jurídico de que se cuida, pode-se passar ao exame no Direito Positivo brasileiro."
(In "Curso de Direito Tributário", Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, 5ª ed. rev. amp., volume 2, CEJUP, 1997, p. 120. Grifou-se)

Consagrando o entendimento, bem sustenta Sérgio Pinto Martins, em obra já referida:
"No nosso entender, o art. 149 da Constituição consagra contribuições de natureza tributária, ao prever que compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, observados certos dispositivos constitucionais, e sem prejuízo do disposto no § 6º do art. 195 da Constituição, quanto às contribuições a que alude aquele preceito legal...As contribuições sociais previstas neste artigo têm natureza tributária, pois estão incluídas no capítulo da Constituição que versa sobre o sistema tributário nacional."
(Idem, p. 89)

Por todo o exposto, constata-se a evidência da natureza tributária das contribuições sociais, tese consagrada pela doutrina e jurisprudência pátrias.


CONCLUSÃO

A caracterização das contribuições sociais como tributos fortalece a segurança jurídica ao cidadão-contribuinte, pois a ele são asseguradas todas as garantias inerentes às demais espécies tributárias.

Merece crítica a insistente voracidade fiscal do Estado brasileiro, que se traduz também nas contribuições sociais. Estranha-se, a exemplo da CPMF, o flagrante movimento de sucateamento dos direitos básicos à seguridade social, com forte influência dos setores da iniciativa privada (empresas seguradoras), e o incoerente aumento na arrecadação através de novos institutos.

Educação fiscal é feita a partir de bons exemplos por parte da própria Administração Pública, sob pena de medidas unilaterais de elisão fiscal ou sonegação por parte da população. Os serviços prestados pelo ente estatal devem se aperfeiçoar à medida que aumenta a captação de Receita. É justamente o contrário que tem sido observado.

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